Estamos então a estudar o sermão do monte e até aqui, Jesus fala sobre o caráter do cristão e sobre a influência que este teria no mundo, caso manifestasse tal caráter, produzindo, assim, o fruto de “boas obras”.
A partir de agora, Jesus prossegue definindo melhor este caráter e estas boas obras em termos de justiça. Ele explica que a justiça, já duas vezes mencionada, e da qual os seus discípulos têm fome (v. 6) e por cuja causa eles sofrem (v, 10), é uma correspondência à lei moral de Deus e ultrapassa a justiça dos escribas e fariseus (v. 20). As “boas obras” são obras da obediência. Ele começou o seu Sermão com as bem-aventuranças na terceira pessoa (“Bem-aventurados os humildes de espírito”); continuou na segunda pessoa (“Vós sois o sal da terra”); e, agora, muda para a primeira pessoa, usando, pela primeira vez, sua fórmula característica e dogmática: Porque . . . (eu) vos digo (vs. 18 e 20).
Este pequeno excerto do sermão do monte divide-se em duas partes: versos 17 e 18 Cristo e a Lei, os versos 19 e 20 o Cristão e a Lei
Quando Jesus afirma que vem cumprir a lei de Deus, o verbo traduzido por “cumprir” (plërösai) no grego, significa literalmente “encher” e indica, que “as palavras de Jesus, não eram uma anulação das primeiras dadas por Moisés e pelos profetas, mas uma exposição e o cumprimento delas.”
Basta enfatizar que, de acordo com este versículo (v. 17), a atitude de Jesus para com o Velho Testamento não foi de destruição e descontinuidade mas, antes, de continuidade construtiva, orgânica. Ele resumiu sua posição numa simples palavra: não “abolição”, mas “cumprimento”.
Então se Jesus veio cumprir com a Lei de Deus qual deverá ser a nossa postura mediante a Lei de Deus? Devemos cumpri-la.
Mas no verso 19 Jesus afirma que a obediência pessoal à Lei de Deus não basta; o discípulo cristão verdadeiro deve também ensinar aos outros a natureza permanentemente e obrigatória dos mandamentos da lei.
Com essa prática a justiça do cristão ultrapassa de longe a justiça dos fariseus, em espécie mais do que em grau. Poderíamos dizer que não é uma questão de os cristãos conseguirem obedecer a 248 mandamentos enquanto os melhores fariseus só conseguiram fazer 230 pontos. Não. A justiça do cristão é maior do que a justiça dos fariseus porque é mais profunda, porque é uma justiça do coração.
E esse sempre foi o foco de Deus. Enquanto os fariseus contentavam-se com uma obediência externa e formal, uma conformidade rígida à letra da lei; Jesus ensina-nos que as exigências de Deus são muito mais radicais do que isto. A justiça que lhe agrada é uma justiça interna, de mente e de motivação, pois “o Senhor (vê) o coração”
É isso que lemos em:
Jeremias 31:33
“A nova aliança que nessa altura farei com o povo de Israel será assim: vou gravar a minha lei dentro deles, vou escrevê-la nos seus corações. Serei o seu Deus e eles serão o meu povo. Palavra do Senhor!”
Ezequiel 36:27
“Vou pôr o meu espírito em vós e farei com que obedeçam fielmente às minhas leis e aos meus mandamentos que vos dei.”
Assim coincidem as duas promessas de Deus: de colocar a sua lei dentro de nós e de pôr em nós o seu Espírito. Não devemos imaginar (como alguns pensam hoje em dia) que, quando temos o Espírito, podemos dispensar a lei, pois o que o Espírito faz em nossos corações é exatamente escrever neles a lei de Deus. Portanto, “Espírito”, “lei”, “justiça” e “coração” todos se relacionam. Os fariseus pensavam que uma conformidade externa à lei seria uma justiça suficiente.
Portanto é esta obediência profunda, que ê a justiça do coração e que só é possível naqueles em quem o Espírito Santo operou a regeneração e nos quais agora habita. É por isso que a entrada no reino de Deus é impossível sem uma justiça maior (isto é, mais profunda) do que a dos fariseus. É porque tal justiça é evidência do novo nascimento, e ninguém entra no reino sem ter nascido de novo.
Vamos ler o restante do capítulo 5. O restante de Mateus 5 contém exemplos desta justiça maior, ou, antes, mais profunda. Consiste de seis parágrafos paralelos, que ilustram o princípio que Jesus acabou de propor nos versículos 17 a 20, sobre a perpetuidade da lei moral, da sua vinda para cumpri-la e da responsabilidade dos discípulos em obedecê-la mais completamente do que os escribas e fariseus. E cada parágrafo contém um contraste ou uma “antítese”, introduzida pela mesma fórmula (com variações menores): Ouvistes que foi dito aos antigos . . . Eu, porém, vos digo . . . (21, 22). LER
Estas coisas que Jesus cita que foram ditas aos antigos eram distorções da lei, em momento nenhum na Bíblia está escrito por exemplo, para se odiar os inimigos (Mateus 5:43), ou seja deduz-se que era algo ensinado falsamente pelos líderes. Foram estas distorções da lei que Jesus rejeitou, não a lei propriamente dita.
A conhecida atitude de Cristo para com o Velho Testamento no capítulo anterior em Mateus 4, Mateus apresentou a narrativa das tentações de Jesus durante quarenta dias no deserto. Cada tentação do diabo foi enfrentada com uma citação apropriada do Velho Testamento. Jesus não precisou discutir ou argumentar com o diabo. Cada questão foi resolvida cabalmente com uma simples menção do que estava escrito.
E esta reverente submissão da Palavra encarnada à Palavra escrita continuou através de sua vida, não só no seu comportamento pessoal mas também na sua missão. Jesus estava decidido a cumprir o que estava escrito a respeito dele, e não podia ser removido do caminho que as Escrituras tinham traçado para ele.
Por isso, as declarações de Jesus em Mateus 5:17, dizendo que não viera abolir mas cumprir a lei e os profetas, são totalmente coerentes com a sua atitude para com as Escrituras em qualquer outra passagem bíblica.
Dos quatro fatores apresentados, fica evidente que as antíteses não colocam Cristo e Moisés em oposição um ao outro, nem o Velho Testamento oposto ao Novo, ou o Evangelho à lei; mas que a verdadeira interpretação que Cristo apresentou da lei é que se opõe às falsas interpretações dos escribas, e, consequentemente, a justiça cristã é que se opõe à dos fariseus, como o versículo 19 afirma.
CITAÇÃO do LIVRO (LER): Os Fariseus achavam que a Tora era uma espécie de um jogo e de um fardo (na verdade, eles o chamavam assim), e desejavam tornar o jugo mais leve e o fardo menos pesado, mas modificando os preceitos de Deus. O modo como eles o faziam variava de acordo com a forma de cada lei, especialmente se era um mandamento (preceito ou proibição) ou uma permissão. Quatro das seis antíteses encaixam-se na categoria de “mandamentos”, sendo as três primeiras negativas (proibindo o homicídio, o adultério e o falso juramento) e a última, positiva (prescrevendo o amor ao próximo).
Estas quatro são ordens explícitas de Deus para fazer ou deixar de fazer alguma coisa. As duas antíteses restantes (a quarta e a quinta) descrevem-se melhor como “permissões”. Não pertencem à mesma categoria de ordem moral das outras quatro. Ambas não têm as palavras imperativas. A quarta antítese é relativa ao divórcio, que jamais foi ordenado, mas sim permitido em determinadas circunstâncias e sob certas condições. A quinta refere-se à vingança (“Olho por olho . . .”), que era permitida nos tribunais e que se restringia ao equivalente exato das penalidades que os juizes israelitas poderiam impor. Portanto, ambas as permissões ficavam circunscritas por limites definidos.
O que os escribas e fariseus estavam a fazer, a fim de tornar a obediência mais fácil de praticar, era restringir os mandamentos e esticar as permissões da lei. Tornavam as exigências da lei menos exigentes e as permissões da lei mais permissivas. O que Jesus fez foi inverter as duas tendências. Insistiu que fossem aceitas todas as implicações dos mandamentos de Deus sem a imposição de quaisquer limites artificiais, enquanto que os limites que Deus estabelecera às suas permissões também deviam ser aceitos e não arbitrariamente ampliados.
Os escribas e fariseus estavam evidentemente restringindo as proibições bíblicas do homicídio e do adultério apenas ao ato; Jesus estendeu-as incluindo os pensamentos de cólera para com o outro, palavras insultuosas e olhares concupiscentes. Eles restringiam o mandamento sobre o juramento apenas a certos votos (envolvendo o nome divino), e o mandamento sobre o amor ao próximo apenas a certas pessoas (às da mesma raça e religião). Jesus disse que todas as promessas têm de ser cumpridas e todas as pessoas amadas, sem limitações.
Mas os escribas e fariseus não se contentavam simplesmente em restringir os mandamentos da lei para que se adaptassem às suas conveniências; procuravam atender às suas conveniências ainda mais, ampliando as permissões. Assim, tentavam ampliar a permissão do divórcio além do simples fundamento de “alguma indecência” para incluir qualquer capricho do marido, e alargar a permissão da vingança além dos tribunais para incluir a vingança pessoal. Jesus, entretanto, reafirmou as restrições originais.
Chamou o divórcio de “adultério”, se baseado em outros fundamentos, e insistiu nos relacionamentos pessoais com a renúncia de qualquer vingança.
Este exame preliminar das antíteses mostrou-nos que Jesus não contradisse a lei de Moisés. Pelo contrário, os fariseus é que o estavam a fazer. O que Jesus fez foi explicar o verdadeiro significado da lei moral, com todas as suas implicações. Ele ampliou os mandamentos que eles estavam a restringir e restringiu as permissões que eles estavam a alargar.
Para ele, a lei de Moisés era a lei de Deus, cuja validade era permanente e cuja autoridade tinha de ser aceita. No Sermão do Monte, como Calvino já expressou corretamente, vemos Jesus não “como um novo legislador, mas como o fiel explanador da lei que já fora dada”. Os fariseus tinham “obscurecido” a lei; Jesus “restaurou-a em sua integridade.”
E neste assunto, nós os discípulos cristãos temos de seguir Cristo, e não o exemplo dos fariseus. Não temos liberdade de tentar rebaixar os padrões da lei para torná-la mais fácil de obedecer. Esse foi o erro dos fariseus, não pode ser o dos cristãos. A justiça cristã tem de exceder à justiça dos fariseus.
Mas na verdade por vezes fazemos isso, desvalorizamos a lei de Deus para que na nossa mente possamos desculpar as nossas más ações.
A Lei de Deus tem de estar firmada no nosso coração.
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