Chegámos ao último capítulo do relato do sermão do monte. Mateus 7 consiste de um grupo de parágrafos aparentemente isolados. Quando lemos parece-nos que existe um discurso nada fluído logo elo existente entre eles não é óbvio, mas chegamos à conclusão que o fio de ligação que corre por todo o capítulo, embora de maneira solta, é o dos relacionamentos. Jesus afirma que os relacionamentos são de extrema importância para todos os que querem ser seus discipulos. Poderia parecer bastante lógico que, tendo descrito o caráter, a influência, a justiça, a piedade e a ambição do cristão, Jesus se concentrasse finalmente nos seus relacionamentos, pois o sermão do monte trazendo uma contracultura cristã não é algo individualista, mas comunitário, comuidade igreja local diga-se, e os relacionamentos dentro da comunidade são de suma importância. Portanto, Mateus 7 dá-nos um registo da rede de relacionamentos aos quais, como discípulos de Jesus, somos atraídos. Podem ser assim apresentados:
- (vs. 1-5). Para com o nosso irmão, em cujo olho percebemos um argueiro e a quem temos a responsabilidade de ajudar, não de julgar;
- (v. 6). Para com um grupo espantosamente designado de “cães” e “porcos”. São pessoas, é verdade, mas a sua natureza semelhante à animal. São de tal espécie que somos instruídos a não partilhar as coisas Santas com elas;
- (vs. 7-11). Para com o nosso Pai celeste, do qual nos aproximamos em oração, confiantes de que ele não nos dará nada menos que “boas coisas”;
- (v. 12). Para com todos de maneira generalizada: a Regra Áurea deveria orientar a nossa atitude e o nosso comportamento para com eles;
- (vs. 13,14). Para com os nossos companheiros de viagem nesta peregrinação pelo caminho estreito que é a vida cristã;
- (vs. 15-20). Para com os falsos profetas, que temos de reconhecer e dos quais devemos nos acautelar;
- (vs. 21-27). E para com Jesus, nosso Senhor, cujos ensinamentos temos de ouvir e obedecer;
Esta semana estudaremos os primeiros 4 e nas restante semanas os outros 3. Vamos então ler as primieras 4 secções e estudá-las em conjunto.
LER Mateus 7:1-5
Julgamento aqui não significa que nós não podemos chamar atenção do nosso irmão em Cristo numa determinada ação ou vertente de carácter em que exista uma falha, aliás na Bíblia temos orientações para que o possamos fazer de forma a crescermos juntos rumo à estatura do Mestre. Ideias como as descritas em Provérbios 27:17 “Como o ferro com o ferro de afia assim o homem ao seu amigo.” e em Lucas 17:3 nas palavras de Jesus que afirma “Se o teu irmão pecar contra ti, repreende-o e perdoa-lhe.” Entre outras dão-nos o claro ensino que viver em comunidade não é poder fazer tudo o que se quer sem que ninguém diga nada, ou seja uma vida de libertinagem porque ninguém me poderá julgar.
Está claro que o tema da correção fraterna é importante na Bíblia. Ela insinua que ninguém pode viver em comunidade e deixar que coexista o pecado. Porém o intuito último é preservar a unidade da comunidade e afastar o pecado – só em casos extremos afastar o pecador. Este conceito já é presente no Antigo Testamento. Em Levítico 19:17 lemos: “Não odiarás a teu irmão no teu coração; não deixarás de repreender o teu próximo, e por causa dele não sofrerás pecado.”
O que poderá então significar esta palavra de Jesus aqui em Mateus 7, não julgar…?
Nós podemos ter a resposta a esta pergunta analisando alguns textos do Novo testamento.
Gálatas 6:1 “IRMÃOS, se algum homem chegar a ser surpreendido nalguma ofensa, vós, que sois espirituais, encaminhai o tal com espírito de mansidão; olhando por ti mesmo, para que não sejas também tentado.”
Ou seja, a nossa postura diante do erro do nosso irmão não é de censura (ou seja, julgamento) mas sim de ajuda mútua para que ele possa crescer nessa área da sua vida. Jamais poderemos ter uma atitude de julgamento mostrando uma espécie de superioridade diante das fraquezas do nosso irmão em Cristo. O Amor deve prevalecer e na prática do amor um acompanhamento genuinamente interessado na recuperação do nosso irmão.
Jesus conta uma pequena ilustração sobre a trave no nosso olho e o argueiro do olho do nosso irmão, para ilustrar esta postura de hipocrisia quando vivemos focados nos erros dos outros e com isso passamos despercebidos para com os nossos próprios erros. Todos nós erramos e a nossa postura para com o erro do nosso irmão, não deve ser de irresponsabilidade afirmando que não podemos julgar, mas sim de responsabilidade e em humildade ajuda-lo a crescer sempre levando à prática o texto de I Coríntios 10:13-14 “Aquele, pois, que pensa estar em pé veja que não caia. 13Não vos sobreveio tentação que não fosse humana; mas Deus é fiel e não permitirá que sejais tentados além das vossas forças; pelo contrário, juntamente com a tentação, vos proverá livramento, de sorte que a possais suportar.”
Mais uma vez Jesus afirma que a hipocrisia não deve fazer parte do carácter de um discípulo de Cristo. Se no capítulo 6 a hipocrisia era referente à nossa religiosidade aqui refere-se aos nossos relacionamentos. E é tão fácil sermos hipócritas nos nossos relacionamentos, focando mais o erro do outro do que aquilo que efetivamente precisamos de mudar na nossa vida.
Porém o verso de Mateus 7:6 mostra-nos uma outra vertente que também temos de observar.
Ler Mateus 7:6
Para nos ajudar a entender o que Jesus poderá estar a dizer neste versículo, temos de olhar para o contexto dos versos anteriores e analisar mais alguns textos bíblicos que também poderão facilitar essa interpretação. Pelo restante ensino de Jesus, seja o que vem antes de não julgarmos os nossos irmãos, mas termos paciência no processo de tratamento do erro dele, e também textos como a grande comissão de levar o evangelho a toda a criatura, jamais poderemos interpretar este texto como algo que Jesus diz para desistirmos das pessoas. Deus não desiste de nós e está sempre pronto para mediante o nosso arrependimento nos aceitar de volta e recomeçar. Deus é um Deus de recomeços e que nos perdoa, por isso devemos nós também à semelhança do nosso Pai do céu sermos “recomeçadores” e perdoadores de relacionamentos. Mas como disse “mediante o nosso arrependimento”, ou seja, há algo que Deus quer da nossa parte para esse recomeço e esse perdão, o nosso arrependimento.
Se analisarmos por exemplo Romanos 16:17 e I Coríntios 5:11-13 (LER)
Percebemos aqui que cães e porcos são todos os que têm estas características descritas nestes dois exemplos de passagens da Bíblia.
Ou seja, a nossa postura como corpo de Cristo não deve ser de estar numa passividade perante o pecado constante e a falta de arrependimento de um supostamente irmão (digo supostamente porque se a pessoa tem este tipo de comportamento deverá converter-se primeiro, logo aí como não entendeu o evangelho e não é salva não é irmão) mas sim depois de termos feito tudo e lhe darmos constantes oportunidades de mudança e termos oferecido ajuda para mudar, este individuo continua num comportamento que denigre Deus e a Sua igreja. Por isso deve ser convidado a sair do nosso meio.
É sempre complicado um processo destes por isso deve ser feito com muita calma e ponderação, com muita sabedoria e seguindo os tramites do texto de Mateus 18:15-17 “Se o teu irmão pecar, vai corrigi-lo a sós. Se ele te ouvir, ganhaste o teu irmão. Se não te ouvir, porém, toma contigo mais uma ou duas pessoas, para que toda questão seja decidida pela palavra de duas ou três testemunhas. Caso não lhes der ouvido, dizei-o à Igreja. Se nem mesmo à Igreja der ouvido, trata-o como o gentio ou o publicano.”
Ou seja, existe uma série de ações num processo onde deve prevalecer o amor e como principal objetivo a restauração da pessoa. Mas devemos ter um sentido de proteção para com a comunidade. Os que se comportam para com as coisas espirituais como cães e porcos não devem ter espaço entre nós para destruir aquilo que é a nossa comunidade.
Continuando o texto de LER Mateus 7:7-11
Parece que a passagem de uma prte do texto para esta em nada se relaciona com a parte seguinte, mas é natural que Jesus tenha passado de nosso relacionamento com os homens para nosso relacionamento com o nosso Pai celeste, principalmente porque o nosso dever cristão para com eles (não julgá-los, não lançar pérolas aos porcos e ser prestativos sem ser hipócritas) é por demais difícil sem a graça divina, e existem situações com pessoas desagradáveis que se comportam como cães e porcos que somente através da oração conseguimos ultrapassar. Não devemos desistir para que Deus possa mudar o coração dessas pessoas.
Esta passagem não é a primeira instrução sobre a oração, no Sermão do Monte. Jesus já nos advertiu contra a hipocrisia dos fariseus e o formalismo dos pagãos, e nos deu o seu próprio modelo de oração. Falámos da oração do Pai Nosso e o ensinamento que podemos retirar dessa oração para a nossa vida de oração. E aqui Jesus diz-nos claramente que Deus ouve as nossas orações e mais, Ele responde.
Pedir, procurar e bater, tudo indícios que devemos persistir e perseverar na oração, porque Deus como Bom Pai que é vai conceder os desejos do nosso coração. Mas, e aqui reforço o “MAS” e abordando a pregação da semana passada, é importante que o nosso coração esteja em sintonia com o coração de Deus, buscando tesouros no céu e não as coisas terrenas. Se o nosso coração estiver em sintonia com o coração de Deus, Ele é um Bom Pai e vai conceder a nossa vontade mas nunca contradizendo a Sua soberana vontade.
Um livro que estou a ler sobre o sermão do monte diz o seguinte:
“Primeiro, oração pressupõe conhecimento. Considerando que Deus só concede dádivas de acordo com a sua vontade, temos de esmerar-nos em descobri-la — pela meditação nas Escrituras e pelo exercício da mente cristã disciplinada nessa meditação. Segundo, oração pressupõe fé. Uma coisa é conhecer a vontade de Deus; outra é nos humilharmos diante dele e expressarmos a nossa confiança em que ele é capaz de executar a sua vontade. Terceiro, oração pressupõe desejo. Podemos conhecer a vontade de Deus e crer que ele pode executá-la, e ainda assim não desejá-la. A oração é o principal meio ordenado por Deus para a expressão de nossos mais profundos desejos. E por isso que a ordem de “pedir — buscar — bater” está no imperativo presente e em escala ascendente, para desafio de nossa perseverança.
Assim, antes de pedir, precisamos saber o que pedir e se está de acordo com a vontade de Deus; temos de crer que Deus pode concedê-lo; e precisamos genuinamente desejar recebê-lo. Então, as graciosas promessas de Jesus se realizarão.”
Perseverar em oração sabendo que se pedimos de acordo com a vomntade de Deus, Ele vai responder.
LER Mateus 7:12
Este último verso que estudamos hoje, foca o relacionamento com o próximo e Jesus cita por outras palavras o segundo mandamento mais importante da Lei, se o primeiro é amar a Deus de todo o nosso coração, o segundo é amar o próximo como a nós mesmos. E Jesus aqui afirma mesmo isso que aquilo que nós gostamos que nos façam isso também devemos fazer aos outros, ou citando na negativa, não faças aos outros aquilo que não gostas que te façam a ti. Algo que está bastante atual.
Conclusão: Portanto, em Mateus 7:1-12, Jesus apresentou-nos os relacionamentos básicos. No centro está nosso Pai celeste, Deus, do qual nos aproximamos, de quem dependemos e que nunca dá a seus filhos outra coisa que não sejam boas dádivas. Logo a seguir, vêm os nossos companheiros de crença. E a anomalia de um espírito de condenação (que julga) e de um espírito hipócrita (que vê o cisco apesar da trave), e que é incompatível com a fraternidade cristã. Se os nossos companheiros cristãos são verdadeiramente nossos irmãos e irmãs no Senhor, é inconcebível que não estejamos interessados em ter atitudes construtivas para com eles.
Quanto àqueles que estão fora da família, há o caso extremo dos “cães” e “porcos”, mas não são típicos nem sequer a maioria. Há um grupo excepcional de pessoas obstinadas que se comportam como “cães” e “porcos”, poderíamos dizer, em sua rejeição decisiva de Jesus Cristo. E em relação a elas relutantemente temos de abandoná-las. Mas, se o versículo 6 é uma exceção, o versículo 12 é uma regra, a Regra Áurea. Ela transforma as nossas atitudes. Se nos colocarmos sensitivamente no lugar de outra pessoa, desejando-lhe o que gostaríamos para nós mesmos, jamais seremos maus, porém sempre generosos; jamais seremos rudes, mas sempre compreensivos; jamais seremos cruéis, mas sempre bondosos.
Façamos uma avaliação dos nossos relacionamentos e tentemos perceber se estamos a ser discipulos de Cristo ou seguidores das trevas?
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